SOBRE PODER POPULAR E DEMOCRACIA DIRETA: DESMISTIFICANDO AS FANFARRONICES DE BOLSONARO E DO ESTADÃO

De Vitor Mateus, militante da FAG

Nos últimos dias, parece ter virado lugar comum no Brasil falar de maneira leviana a respeito de poder popular e democracia direta. A começar pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, em seu discurso na cerimônia de diplomação no TSE na segunda-feira passada (10/12). Segundo Bolsonaro, o poder popular não precisa mais de intermediação, graças às novas tecnologias de comunicação. Ora, cabe-nos perguntar que tipo de poder popular é esse que o futuro presidente fala, uma vez que está no planejamento dele e da sua equipe econômica uma brutal retirada de direitos justamente da maior parte da população – aquela que menos tem? Que poder popular é esse, que já havia sido contra os direitos das empregadas domésticas, e que agora fala em ampliar a retirada de direitos trabalhistas e aprovar a famigerada reforma da Previdência? Um poder popular que acha que as mulheres são resultado de uma fraquejada e que os negros devem servir para procriar? Que acha que índio não tem que ter mais um milímetro de terra? Um poder popular que vai contra justamente os interesses e a identidade do POVO? Se é da vontade do POVO que estamos falando, como falar em medidas que acabam com o nosso 13º e com a nossa aposentadoria, sem nem sequer chamar o POVO para opinar, e somente para garantir que o Estado mantenha sua capacidade de pagamento da dívida pública? Porque é disso que estamos falando: o congelamento dos gastos com saúde e educação e a reforma da Previdência visam somente a garantir a fatia do orçamento público que vai direto para o bolso dos especuladores da dívida (em sua maioria, grandes bancos). Essa dívida, que já consome mais da metade dos gastos da União (anualmente) é o que motiva todo esse conjunto de medidas que só vão piorar a vida das e dos de baixo. E é a tudo isso que Bolsonaro chama de poder popular?

É preciso deixar claro que, apesar do uso (indevido) do termo, não está no horizonte de Bolsonaro sequer se aproximar da construção de um verdadeiro poder popular (mesmo que isso fosse possível desde a presidência da República). O capitão da reserva parece antes falar em tom de ameaça, sugerindo ser possível um governo apesar dos ritos e negociatas que ditam o funcionamento do Congresso. Esse tipo de pensamento é muito mais próximo de ideias autoritárias do que de qualquer proposta verdadeiramente democrática, com participação popular concreta nas tomadas de decisão que incidem sobre questões coletivas.

Por outro lado, o jornal O Estado de São Paulo – Estadão – consegue prestar um desserviço ainda maior do que Bolsonaro. Em seu editorial do dia 12/12, intitulado “O perigo da democracia direta”, o jornal da família Mesquita faz uma distorção proposital do significado do termo, aproximando a ideia de democracia direta à simples “mobilização ruidosa” de militantes e ao risco de “descambar na ditadura da maioria”. Nada poderia ser mais falacioso.

Para entender as intenções do jornal, é preciso compreender o papel que cumpre o mesmo na ordem política brasileira. O grupo de comunicação, fundado por alguém que era “formado no espírito do liberalismo político e econômico”, está entre os maiores conglomerados de comunicação do país, sendo que estes se concentram na mão de apenas oito famílias.

Nesse sentido, é preciso destacar que o jornal O Estado de São Paulo e a família Mesquita não só sempre estiveram alinhavados com os interesses das elites, como sempre foram parte constitutiva e perpetuadora dessas mesmas elites. Ou seja, pouco ou nada se preocupando com os interesses dos setores oprimidos da sociedade brasileira.

O que precisa ficar claro nessa troca de farpas entre Bolsonaro e Estadão é que não está em discussão o significado real, que dizer de uma proposta concreta, sobre poder popular ou democracia direta. Fazendo um uso malicioso, que joga na vala comum o real sentido desses conceitos, o que assistimos é mais um capítulo da disputa interna das elites pelo controle do aparelho de Estado. De um lado, o candidato eleito, de viés autoritário, que joga ameaças ao Congresso como forma de condicioná-lo às suas vontades, apoiado pela insatisfação popular com a política institucional e também pelo fantasma dos anos de chumbo da ditadura civil militar que governou o país entre 1964 e 1985. E de outro, um veículo da mídia corporativista que entendeu o recado e sabe os riscos que traz a aventura de um governo Bolsonaro, e a partir disso joga pressão a fim de criar corrente de opinião que minimamente dê sustentação ao funcionamento da atual democracia liberal burguesa.

O que é então poder popular e democracia direta?

Primeiramente, é preciso que não nos iludamos com a falsa sensação de participação que as redes virtuais dão. Aplicativos como Whatsapp e Facebook de fato facilitaram a comunicação entre pessoas e coletivos, mas daí a transformar essa comunicação em participação política já é outra história. Também é fato que a extrema direita parece ter encontrado um mecanismo efetivo de exercício de poder a partir do uso combinado dessas redes com a disseminação de fakenews, criando força tanto para tomadas de posição por dentro do aparelho de Estado como para a construção de um pensamento hegemônico na sociedade brasileira, implodindo o debate público e fazendo prevalecer suas ideias no senso comum. Mas esse mecanismo, ao invés de criar participação popular na política, joga peso justamente no sentido contrário: ele impulsiona o descontentamento geral e o direciona a uma saída de caráter imediato e salvador, apontando muito convenientemente para as nada democráticas forças armadas.

Quando falamos em poder popular, falamos da construção de uma nova forma de tomada de decisão sobre recursos e questões coletivas. Poder popular trata de uma proposta em que o POVO não esteja alijado das decisões que lhe dizem respeito, tampouco que o exercício de poder esteja centralizado e nas mãos de uma minoria. É da descentralização do poder que falamos quando nos referimos a poder popular. É um ideal, um fim, que prevê a participação de todas e todos de maneira igualitária, sem distinções, e que por isso mesmo pauta e condiciona a maneira com que nós, anarquistas, entendemos e fazemos política.

Mas poder popular também é um meio. É a construção de um POVO FORTE, que tome o seu destino nas próprias mãos de maneira coletiva, que se organize e faça frente aos desmandos da ordem capitalista e aponte para a superação dessa ordem a partir da luta do conjunto de classes oprimidas. Quando falamos poder popular, falamos também da construção diária, desde os nossos locais de moradia, trabalho e estudo, fomentando
a organização autônoma das e dos de baixo, independente de interesses particulares ou partidários.

E esse poder popular ganha concretude a partir da democracia direta. É por meio dela, com o mínimo possível de intermediários, que o poder popular pode se realizar. É a partir de uma organização descentralizada, federalista, com instâncias que propiciem a participação no debate e nas tomadas de decisão a todas e todos, que o poder popular se torna real. A democracia direta é justamente o oposto dessa democracia representativa que defende o Estadão, e que já se provou insuficiente para realizar os sonhos e desejos do POVO. Democracia direta é aquela que garante voz e controle popular sobre questões coletivas, que não ignora a necessidade de tornar responsáveis algumas pessoas sobre a consecução das vontades coletivas, mas que nem por isso aposta tudo no cheque em branco que atualmente é dado aos políticos profissionais a cada quatro anos.

Muito mais se poderia dizer sobre democracia direta e poder popular. E inclusive o dizemos em outros materiais disponíveis nas nossas páginas. O que nos interessa aqui é desmentir as afirmações levianas de Bolsonaro e Estadão e deixar claro que ambos fazem parte das classes dominantes, para quem a vontade popular representa no máximo um empecilho. Por essas e outras que afirmamos: SÓ O POVO SALVA O POVO! LUTAR, CRIAR, PODER POPULAR!

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